Por Waldyr Neto -
Recentemente eu fui premiado num concurso da Canon Brasil com o tema Natureza Exuberante. O site apresentava as doze fotos classificadas, seis na categoria APS-C (sensores cropados) e seis na categoria full frame. Um conjunto realmente bonito de fotos, resultado de talento e esforço. Clique aqui para conferir.
Na postagem da Canon Brasil no Facebook, apresentando o resultado do concurso, fiquei impressionado com a quantidade de comentários negativos, dizendo que as fotos eram artificiais, consequência mais do tratamento do que da qualidade da captura, ou da inspiração e conhecimento do fotógrafo.
Deixando de lado qualquer sentimento com relação aos comentários, acho interessante constatar que existe hoje uma certa aversão pelo tratamento das fotos. Como se tratar a foto fosse anti-ético. Pra quem quer evoluir na fotografia tem um risco grande aí - o risco de não aprender a tratar bem as fotos.
Se você se interessou pelo assunto, vamos em frente. Talvez o artigo seja longo... Vou explicar como funciona da captura digital e vou mostrar o passo a passo da captura e tratamento da foto acima. Acredite. Tem informação valiosa aqui...
A Captura Digital
Sem entrar nas questões artísticas ou óticas, a captura digital basicamente é a leitura da luz por um sensor.
O sensor é uma pequena placa com milhões de pixels, que por sua vez são conjuntos de micro-diodos, ou mais especificamente foto-diodos. Grosseiramente podemos dizer que esses diodos "contam" fótons, ou seja, medem a quantidade de luz que incide sobre eles, gerando inicialmente um sinal elétrico que depois vira um número. Nas arquiteturas mais comuns - Canon, Nikon, Sony, etc. cada pixel é composto de foto-diodos que leem a luz vermelha (Red), verde (Green) e azul (Blue). Soa familiar? Sim, estamos falando da sigla RGB.
A leitura dessa informação em todos os pixels, e mais uma série de outras informações - câmera utilizada, lente utilizada, abertura, tempo, ISO, data, etc., vão gerar um arquivo de dados chamado RAW. Vamos entender aqui que o arquivo RAW não é uma imagem. RAW é um arquivo de dados.
Quando fotografamos em JPEG com nossas câmeras ou até smartphones, existe a leitura da luz, o arquivo RAW é gerado e em seguida é feita uma conversão. É nesse momento que o JPEG (imagem) é gerado e o RAW (dados) é apagado.
A conversão do RAW em JPEG sofre influência de parâmetros que definimos na câmera - white-balance e outros. E sofre influência também de definições internas da câmera. Basicamente podemos dizer que um JPEG tem uma edição feita em grande parte pelo engenheiro de software do fabricante da câmera.
Então, deixando bem claro aqui:
- Uma foto JPEG (sem edição posterior) não representa necessariamente a realidade.
- Uma foto JPEG é uma foto editada. Em grande parte editada pelo fabricante da câmera, com alguma influência do fotógrafo.
- Toda foto digital é editada.
Tá interessante (ou pelo menos polêmico)? Vamos em frente...
De uns bons anos para cá os fotógrafos começaram a questionar a qualidade da edição padrão da câmera, e mesmo a possibilidade de fazer uma edição posterior com qualidade. Os fabricantes foram rápidos e passaram a permitir que o fotógrafo recebesse o arquivo RAW. Com o RAW na mão a conversão para JPEG passa a ser feita fora da câmera, em aplicativos como o Adobe Lightroom. Em outras palavras, o fotógrafo tem o poder de interferir bem mais na conversão do JPEG.
Um JPEG (imagem) é uma das múltiplas possibilidades de um RAW (dados).
Tratando uma foto RAW
Primeiro vamos deixar claro aqui que uma foto JPEG também pode ser tratada. Cada efeito aplicado terá uma intensidade um pouco menor que no RAW, e a imagem vai tender a ficar mais degradada. Se é para tratar a foto, melhor que seja no RAW.
A foto abaixo foi feita com uma Canon 5D markII e uma lente Canon 17-40mm f/4 L. Usei abertura f/11 para ter bastante profundidade de campo (foco em toda a cena) e ISO 160 para ter uma ótima resolução. O tempo, 1/100s, foi em função de não perder os detalhes na parte mais clara da nuvem.
Numa primeira olhada a foto parece sub-exposta, ou seja, escura. Mas repare que a na parte mais clara das nuvens as informações foram preservadas - tem textura, tem semi-tons. Preservar os detalhes nas altas luzes é vital no processo de captura digital.
Vamos entender...
Aqui existe um conceito chamado alcance dinâmico. Podemos dizer que é a medida de contraste da cena, ou seja, a diferença de luminosidade da parte mais clara e mais escura. O olho humano, com sua pupila que contrai e dilata involuntariamente, lida com um imenso contraste. Já os sensores das câmeras digitais atuais, mesmo os melhores, lidam com um contraste muito menor. Resultado: Em cenas com grandes contrastes, comuns em fotos de paisagem, a câmera não consegue entregar um resultado igual ao que você está vendo. Você vê detalhes nas sombras e nas altas, mas a foto vai sair com alguma área sacrificada. Pra piorar, é bem provável que a câmera, no seu modo automático, sacrifique as altas luzes.
Qual o problema aqui? Simples... no processo digital é possível recuperar a informação das áreas de sombras, mas não é possível recuperar a informação perdida nas áreas de altas luzes. Daí a necessidade de se fazer a captura preservando textura e semi-tons nas áreas mais claras.
Vamos começar a tratar a foto... para isso eu utilizei o aplicativo Adobe Lightroom CC (última versão). Vamos deixar claro aqui que não existe um único jeito certo de tratar uma foto. Eu vou mostrar o que eu faço.
A partir da correta captura digital em RAW, o passo inicial do tratamento é fazer o tone mapping. Não adianta ir la no Lightroom procurar um painel com esse nome. Tone mapping é o nome genérico de um processo que envolve devolver à foto a luminosidade original. Isso é feito no painel básico.
O que eu fiz no tone mapping dessa foto? Levantei a exposição, reduzi um pouco o contraste, baixei as altas, revelei as sombras, estiquei os brancos até ter branco, fechei os pretos até ter preto.
O resultado é algo bem próximo do que eu vi com meus olhos. O tone mapping é a etapa crucial do tratamento de uma foto em RAW.
O passo seguinte foi acrescentar um pouco de clarity (claridade na versão em português). O clarity é uma ferramenta de avivar os detalhes da foto. Em excesso fica artificial. Na dose certa valoriza a foto.
A foto esta quase pronta. Não precisei mexer em saturação (intensidade das cores). Na maioria das vezes não é preciso.
O passo final de um tratamento é a nitidez / redução de ruído. É a hora de dar zoom na foto e ver o detalhe. Fica meio imperceptível nessa escala, mas faz bastante diferença em ampliações maiores. Os ajustes estão visíveis ali na direita.
A foto está praticamente pronta. Mas como foi feita com uma lente angular, existe alguma distorção. Reparou que as paredes da casa estão tortas, convergindo para cima. É possível corrigir isso, deixando a foto ainda mais fiel ao que o meu olho via. Aplicando a correção de perspectiva podemos deixar tudo certinho.
E aqui o resultado final
Jogando Lenha na Fogueira
Vamos lá... se você chegou até aqui, parabéns. Fotografia envolve esforço e estudo. Quem desiste no início não vai longe.
Deixo aqui uma questão: Se a gente considerar que a realidade é o que o olho humano percebe, qual das duas fotos abaixo é mais próxima da realidade. A sem tratamento, ou a tratada?
Foto sem tratamento:
Foto tratada:
Pra fechar, deixo abaixo uma boa dose de lenha pra botar na fogueira, com gasolina e um isqueiro. Mas não sou o dono da verdade. Todo debate é bem vindo.
- As mesmas ferramentas que te permitem fazer um bom tratamento, te permitem fazer um mau tratamento. Aprenda a fazer bem feito.
- Você pode sim alterar a foto conforme seu gosto. Mudar cores, acrescentar ou retirar elementos. Mas se fizer uma alteração pesada, não negue que fez. Roubando aqui uma máxima do montanhismo: "Almeje o topo, mas relate com honestidade". É a sua reputação que está em jogo.
- Dodge e burning eram processos de clarear e escurecer seletivamente partes de uma foto. Isso em foto de filme... Tratar fotos não é novidade nem exclusividade de foto digital.
- Tratar bem as fotos leva um tempinho. Não perca tempo com discussões sem sentido. Comece a aprender.
- Tem muita foto bizarra na internet. E tem muita gente que curte... Isso não tem importância nenhuma. Estude e se inspire nas fotos boas.
- Ao fazer uma foto, tente guardar o que você sentiu, o que você viu com os seus olhos. Traga isso de volta no tratamento.
Mas na verdade não é esse processo simples que vc explicou. É a transformação de tudo em uma foto, não é mais a realidade que tentamos passar no momento "eternizado" da foto .
ResponderExcluirSim Alfredo, isso está dito no artigo. Tem a boa e a má edição. Mas o importante é entender que não faz sentido dizer que tem foto sem edição. Daí a importância de aprender a fazer uma boa edição.
ExcluirExcelente! Obrigado pela análise lúcida e pelas informações! Um abraço!
ResponderExcluirObrigado jcbalster !
ExcluirMuito bom seu artigo, bem claro. Apesar de eventualmente fotografar em RAW+JPG, tenho evitado pois em minhas viagens volto com 1000 a 2000 fotos a acabo consumindo uma enormidade de cartões.
ResponderExcluirObrigado Claudio! Hoje eu abandonei de vez o JPEG. Capturo apenas em RAW. Mas ainda assim é um arquivo mais pesado.
ExcluirWaldyr, concordo com vc. Desde o momento que o fotógrafo escolhe que lente vai usar, qual ângulo vai enquadrar, ele está "manipulado" a imagem e o olhar de quem observa. Não estamos falando do fotojornalismo onde a imagem relata um acontecimento muitas vezes. Aqui, a fotografia lhe permite uma interpretação, a sua, no momento do clique. Abraço!
ResponderExcluirLegal Bruno, ótimas colocações. Obrigado por comentar!
ExcluirA edição bem feita é a revelação de um "negativo fotográfico" quando era levado aos laboratórios. A edição é necessária, mas feita com carinho, com cautela, e para agradar aos olhos, sem exageros! É válida sim! Parabéns pela premiação no concurso Canon. Tenho inscrito minhas fotos por lá...o nível está bem alto! Vamos adiante! Abraços Waldyr!
ResponderExcluirObrigado pela contribuição Jerlich!
ExcluirTambém me incomoda ver fotos com excesso de contraste e saturação. Quanto mais espelhar o natural, melhor a foto. Um bom recurso para paisagens é usar um filtro polarizador na captura da imagem.
ResponderExcluirObrigado pela contribuição Haroldo!
ExcluirBem,a carapuça me serve,sou um dos milhares que vão dizer sempre "ISSO NÃO É FOTO,É ILUSTRAÇÃO".Estou a muito tempo no meio fotográfico e sei que o TRATAMENTO de imagens sempre existiu e pra mim,editar(não se aplica) é o mesmo que manipular e manipular significa introduzir ou retirar elementos do original.Em dois tempos,é aceitavel e por vezes necessária a manipulação em fotos comercias,mas nunca em uma foto autoral.Não entendo como adulteração e/ou manipulação na foto,entendo como um caso clássico de TRATAMENTO DE IMAGEM
ResponderExcluirOi Julio, o importante é você fazer o que acredita. Obrigado pela contribuição.
ExcluirGostei muito, ajudou a esclarecer algumas questões que ouço e leio sobre tratamento. Eu trato as fotos que tiro, sem exageros, mas corrijo algumas coisas que atrapalham quando a foto vem para a tela do computador!
ResponderExcluirLegal Katia, obrigado por comentar!
ExcluirMuito bom! Trato todas - com carinho!
ResponderExcluirObrigado Sergio!
ExcluirEm mil novecentos e antigamente, em meu laboratório particular de revelação de fotos P&B, já fazia treatamento das fotos. E olhe que nem era digital. Já começava na escolha dos filmes, dos reveladores (alguns feitos por mim mesmo), tempos de revelação e de exposição na ampliação, do papel utilizado, etc... Tudo era puro tratamento. Não entendo esses "puristas" que dizem não aceitar tratamento. Acho que são fotógrafos modinha que só conheceram foto digital. Belo artigo, parabéns, mas eu já não gasto mais meu tempo com fotos, não curto muito o digital e o analáogico está cada dia mais difícil de fazer.
ResponderExcluirObrigado por comentar Silvio! Eu nunca cheguei a fazer revelação, mas na transição de filme para digital cheguei a parar de fotografar. Hoje me dou bem com o digital e não penso em voltar para o filme, mas tenho amigos que estão voltando. Enfim, realmente tem a parte difícil de conseguir os filmes, químicos, etc.
ExcluirEu só faço essas edições básicas nas minhas fotos, e acho que melhora muito, estou aprendendo e sempre leiosobre o assunto, minha dificuldade agora e imprimir nas cores que está na minha tela, está saindo foto é demais, mas já gastei muito papel fotográfico tentando e acredito que gastarei muito mais, é minha paixão e eu realmente queria levar ao nível profissional, abraços e adorei tudo que li , parabéns
ResponderExcluirObrigado Sônia!
ExcluirDigo: fotos escuras na impressão
ResponderExcluirSim, entendi.
ExcluirMuito bom Didi! Nao tinha lido esse seu artigo ainda. Tambem tenho fotografado so em RAW e tratado todas as fotos. Ainda aprendendo. Muitas vezes, volto a fotos que tratei no passado e hoje em dia acho muito artificial... Ou mesmo, logo depois de tratar todas as fotos de um evento, volto para o grid do Lightroom e percebo varias que tenho que retocar novamente por achar exageradas. Enfim, um aprendizado eterno!
ResponderExcluirLegal Dé! É uma evolução mesmo. No início a gente exagera e fica feio. Com o tempo a gente aprende a exagerar e não parece exagerado... rsrs
ExcluirAdorei o artigo. Faz todo sentido. Mas a questão de processar ou não as imagens, ao meu ver , é muito mais complexa e polêmica. Claro, tratando-se de expressar a realidade, o ideal é o tratamento para chegar o mais próximo do que o olho humano enxerga, concordo com seu ponto de vista. Mas eu, particularmente, adoro "estagar" as imagens. Mudo cores, contraste, saturação. Faço propositalmente, mas sempre há quem condene, rsrs.
ResponderExcluirNão consegui enviar com identificação, desculpe...
ExcluirOi Analu, obrigado por comentar. Tratamento é pessoal mesmo. Se você gosta está valendo.
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