terça-feira, 26 de agosto de 2008

Volta da Ilha Grande

Conhecer a Ilha Grande era um sonho antigo. Curiosamente, com mais de 20 anos de excursões pelo CEP, contando com muitas viagens e travessias, nunca havia pisado na Ilha Grande, que está tão pertinho...


Então, quando comecei a planejar minhas férias junto com a Gisele neste verão de 2006, surgiu a idéia de dar a volta na Ilha. Pesquisamos sites, conversamos com quem já esteve lá e montamos um roteiro básico. Nas mochilas, além de toda a parafernália obvia para quem vai passar dez dias acampando, os indispensáveis filtro solar, repelente, hipoglós, além de mapas e uma providencial tábua de marés, item facilmente encontrável em sites de metereologia. No quesito alimentação, sabendo que a trip seria longa, resolvemos incrementar um pouquinho, levando mais do que os tradicionais macarrões instantâneos.

1º Dia: Passeando no Abraão

Com as mochilas montadas partimos de Petrópolis e chegamos no cais de Angra, onde estacionamos o carro e negociamos uma embarcação para Abraão. Ao chegar na “capital” da Ilha Grande, nos acomodamos num camping e saímos para uma caminhadinha pelas trilhas próximas. Conhecemos as ruínas do sombrio Lazareto e o impressionante Aqueduto, onde começa a trilha que pegaríamos com mochilão dois dias depois. Na volta encontrei numa lojinha de artesanatos, uma edição do providencial Guia de Trilhas da Ilha Grande, que nos foi muito útil no planejamento final da aventura.

2º Dia: Pico do Papagaio

Montei uma mochila de ataque e assim partimos para o Pico do Papagaio, cartão postal da Ilha com 982 metros de altitude. Subimos caminhando pela estradinha que liga Abraão a Dois Rios e pegamos a trilha ao lado de uma placa de sinalização. A subida é bem constante e forte, praticamente toda na sombra. Nessa trilha tivemos nosso primeiro contato com os macacos bugíos, que rugiam assustadoramente ao longe. O final da trilha é muito bonito, margeando uma grande rocha branca e alcançando o cume por uma crista. O visual é lindo e vale o esforço. Na volta fomos para a praia comemorar nosso “aquecimento” para a jornada que começaria no dia seguinte.

3º Dia: Abraão – Bananal

Desmontamos acampamento, tomamos um café reforçado e finalmente botamos as mochilas nas costas. Como era o primeiro dia de nossa jornada ao redor da Ilha, as mochilas estavam com um peso insano.

A decisão era fazer a volta no sentido anti-horário, começando pelo lado voltado para o continente. Fomos então caminhando pela agradável trilha que sai de Abraão à esquerda do píer, passamos pelo Lazareto e pegamos a leve subida até o Aqueduto, onde tiramos umas fotos e partimos trilha acima. A primeira subida já era bem forte, como um prenuncio do que seria a tônica de toda a travessia. Chegamos ao topo suando em bicas e a Gisele já parecia tão arrependida... Mas iniciamos a descida e logo chegamos na praia da Camiranga, onde finalmente tiramos as mochilas das costas e fizemos um rápido lanche. Mochilão nas costas de novo, partimos caminhando alternando areia e trilha, pelas praias que compõem a Enseada das Estrelas: Praia do Perequê, de Fora, Manguesal, Praia do Galo, do Conrado e finalmente encontramos uma padaria no Saco do Céu. Era meio dia, sol de rachar. Tiramos as mochilas e nos esticamos nuns banquinhos de madeira. A Gisele chegou a dormir. Aproveitamos para comer deliciosos pães doces e nos preparamos para seguir em frente.

A retomada foi uma forte subida. Muito suadouro depois, iniciamos a descida que termina na praia do Funil, a menor da Ilha. Mais um pouquinho e chegamos na pequena Japariz, com bares lotados de turistas que chegam em imensas escunas. Seguimos por uma larga trilha e finalmente chegamos na bonita igreja de Freguesia de Santana, que já foi o povoado mais importante da Ilha. Aproveitei para dar um mergulho e logo partimos para o último trecho do dia, até a enseada de Bananal. Segundo informações, seria possível acampar na praia de Bananal Pequeno.

Pegamos mais uma forte subida, com calor e sem vento. E ai a Gisele “colou a placa”, sendo necessário fazer uma parada para tomar um gel de carboidrato. Chegamos no Bananal Pequeno muito cansados, e para nossa surpresa não era mais permitido acampar. Por sorte um pescador foi solidário e nos permitiu acampar na varanda de uma casa, o que acabou sendo muito bacana, pois o lugar era muito bonito. Fizemos uma janta reforçada e finalmente começamos a reduzir o peso das mochilas.

4º dia: Bananal – Praia da Longa

Pelo mapa seria um dia menos cansativo, com uma distância total menor e menos subidas. As mochilas ainda estavam muito pesadas, mas a ótima noite no Bananal ajudou a levantar o astral. Assim seguimos caminhando por praias intercaladas por trilhas: Bananal, com pousadas e bares; Matariz, com um camping, comércio e uma fábrica abandonada; Passaterra, com pousadas sofisticadas que não aceitam mochileiros; Maguariqueçaba, com golfinhos dando um show nadando ao lado do píer; Sítio Forte, um cartão postal com um belo gramado salpicado de coqueiros. No trecho de mata entre Matariz e Passaterra existe uma das figueiras gigantes da Ilha, com as raízes quase que engolindo um imenso bloco de pedra. Ao chegar na simpática praia da Tapera, por volta de meio dia, decidimos descansar num bar que estava fechado. A Gisele viu uma rede esticada e “capotou”. Eu fui dar um mergulho. Depois de um bom descanso, partimos para a Praia de Ubatubinha, onde encontramos um bar movimentado cheio de turistas italianos. Preparei um isotônico e comemos pasteis fritos na hora. Tudo isso para encarar a subida mais forte do dia e chegar na Praia da Longa, onde existe um camping simples no final da praia.

Barraca montada; demos um mergulho e comemos um delicioso prato feito. Só faltava descansar para encarar o dia seguinte, considerado o mais puxado.

5º dia: Praia da Longa – Aventureiro

Acordamos cedo, desmontamos acampamento, tomamos um café da manhã com vista para o mar e partimos. As mochilas continuavam terríveis, mas a perspectiva de chegar na Praia de Aventureiro criava um novo sentido para a ralação. Saímos da Praia da Longa por uma forte subida e logo chegamos na extensa e bonita Praia Grande de Araçatiba. Ao final da praia encontramos um armazém onde repusemos nossos estoques de água potável, artigo difícil no lado continental da Ilha. Partimos novamente e logo chegamos nas areias de Araçatibinha, onde começa a forte subida rumo a Proveta. Pegamos o subidão e logo chegamos ao topo da trilha, bastante cansados. Partimos morro abaixo rumo a Provetá, um dos maiores povoados da Ilha onde existe um impressionante templo da Igreja Universal. Como Provetá não tem maiores atrativos, a idéia era almoçar, descansar e partir para o maior subidão da Volta da Ilha Grande, que leva à paradisíaca Praia do Aventureiro.

Conseguimos encontrar uma super refeição em Provetá. Como sol estava muito forte, descansamos bastante na sombra de uma amendoeira e só à tardinha pegamos a trilha para aventureiro. A subida começa forte, sem sombra... e continua forte, sem sombra... Subimos lentamente, com algumas paradas para descanso. O terço final da subida a Gisele fez com a língua arrastando no chão. No final ela não conseguia nem me xingar de tão cansada. Mas a linda visão do oceano, com as praias do Sul e do Leste, separadas pelo curioso Ilhote à nossa frente - uma paisagem que sonhávamos encontrar - valeu o esforço. Reunimos as últimas energias para descer até a Praia do Aventureiro, onde chegamos após o por do sol. Montamos nosso acampamento e fomos tomar uma gelada, ouvir hippies tocando violão, etc.

6º dia: Descansando em Aventureiro

Tiramos o dia para descansar. Caminhamos para a Ponta do Aventureiro, onde existe o famoso coqueiro inclinado. Tomamos banho de mar na deliciosa Praia do Demo e fomos dar uma olhada no tão falado Costão do Demo, com suas línguas de água escorregadias. Vimos que com tempo bom não teríamos problemas para passar ali. Também nos informamos com os locais sobre a proibição de passar pelas praias da Reserva Biológica. Nos disseram que “podia passar, mas não acampar”. Tudo pronto para a próxima jornada! Fomos preparar um belo almoço – risoto de cenoura e passas, acompanhado de purê de batatas com sardinha – show de bola e menos peso nas costas. Fizemos também um balanço de tudo que tínhamos e reduzimos mais ainda o peso. O repelente, filtro solar, shampu, etc. já estavam pela metade o que também contava a nosso favor.

7º dia: Aventureiro – Parnaioca

Acordamos e tomamos café assistindo o sol nascer no mar. Desmontamos acampamento e decidimos partir descalços. A maré baixa seria às 9:00, ótimo horário para estar passando pelo mangue que contorna o Ilhote. Seguimos caminhando pela Praia do Aventureiro, Demo e atravessamos o Costão do Demo, que já não parecia tão amistoso de cargueira nas costas. Mas tudo correu bem e finalmente estávamos caminhando descalços nas areias finas da imensa praia do Sul. Ao final da praia achamos uma sombra para descasar e fazer um lanche. Seguimos para o tão falado mangue, e devido à maré baixa, estava seco. Moleza ! A travessia do riacho foi com água na altura dos joelhos e logo estávamos caminhando na isolada Praia do Leste.

Ao final da praia, mais um lanche. Calçamos as botas e partimos trilha acima pela mata, até chegar na Praia da Parnaioca, completando nosso mais curto dia de caminhada. Montamos acampamento, almoçamos um ótimo prato feito e curtimos o lugar, que é muito especial. Depois de muitos dias voltamos a ouvir os rugidos dos macacos bugíos. Agora bem mais próximos. Uma grande surpresa nos aguardava...

8º dia: Parnaioca – Santo Antônio

Tomamos café e partimos de Parnaioca em direção à Praia de Dois Rios, entrando no maior trecho contínuo de trilha na mata. As mochilas já estavam bem suportáveis, e a sombra da floresta garantia um ótimo início de jornada. Começamos a ouvir os assustadores rugidos dos bugíos, mais próximos do que nunca. Sabíamos que eram inofensivos, mas mesmo assim, estar na mata ouvindo aqueles sons era impressionante. Só quem já esteve numa situação dessas faz idéia. Quando chegamos num trecho da trilha onde os bugios pareciam estar a poucos metros de nós, num movimento muito rápido eles passaram sobre a trilha por cima das árvores e foi possível vê-los de perto, com pescoço peludo lembrando um leão. Bem menores do que o bizarro rugido sugeria, eles desapareceram por uns instantes na mata. Caminhamos mais um pouco e o momento mágico aconteceu. Fomos cercados por bugíos dos dois lados da trilha, que rugiam sem parar. Ficamos petrificados, com um misto de medo e alegria. Foi surreal. Retomamos a caminhada e aparentemente nos afastamos daquela família de bugíos que nos proporcionou o momento mais emocionante da nossa aventura.

O contraponto do incrível encontro com os bugios foi a chegada em Dois Rios. Os vestígios do presídio, a sombria vila militar que parou no tempo. Como estávamos cansados fizemos uma parada para um lanche reforçado, mas logo pegamos a trilha para Caxadaço. Foi muito bom deixar aquele baixo astral para trás e melhor ainda foi chegar na pequena e linda enseada do Caxadaço. Enquanto a Gisele descansava dei uma explorada numa área de boulders, com muitas fendas. Como ainda era cedo, resolvemos mudar nosso plano original de acampar no Caxadaço e partir para a Praia de Santo Antônio, vencendo o trecho mais complicado quanto ao quesito orientação.

Entramos na mata muito atentos à trilha insipiente, que em alguns momentos parece sumir. Ouvimos alguns bugíos distantes, o som do mar sempre próximo. Fomos descobrindo o caminho e logo chegamos na larga trilha da Praia de Santo Antônio. Vitória !! A Volta da Ilha Grande estava no papo. Deste momento em diante só trilhas largas e sinalizadas. Mas mesmo assim teríamos nossa última noite longe dos agitos do lado continental da Ilha. Acampamos nas areias da romântica Santo Antônio. Tomamos banho de caneca numa fonte nos rochedos ao lado da praia, jantamos nosso último Miojo com atum e molho de tomate. Vimos a lua cheia nascer. Um sentimento de vitória pela dura travessia, misturado com uma saudade que já começava a bater tomava conta da gente.

9º dia: Santo Antônio – Abraão

Acordamos tarde pela primeira vez na Ilha Grande. Tomamos um café numa pedra de frente para o mar, arrumamos as coisas com calma e partimos para nossa última jornada. Mochilas mais leves do que nunca, mais um dia lindo de sol na Ilha, tudo era legal.

Ainda bem cedo fizemos uma escala na Praia de Lopes Mendes e depois seguimos para a praia de Pouso, depois Mangues e finalmente Palmas, onde lanchamos no barzinho de um camping, onde dois hippies tocavam violão e cantavam. Astral melhor impossível. Partimos para a arrancada final, que para coroar essa grande travessia, é uma baita subida! Subimos, subimos, e finalmente chegamos no topo. Dava para ver a enseada de Abraão. Era só descer e tomar a cervejinha mais merecida.

Descemos curtindo, sem pressa. Chegamos em Abraão e comemoramos. No caminho do camping decidimos ficar numa pousada, com cama, banheiro, ar condicionado, frigobar, piscina, etc. A Gisele tinha se superado e merecia um conforto na última noite na Ilha Grande. Depois de um belo banho fomos para o tradicional Bar Casarão comer peixe e tomar muito chopp gelado. Chapamos!!!

10º dia: Volta para Casa

Tomamos café na pousada e fomos para o píer. Voltamos para o continente de barca e pegamos o carro. Como era uma segunda feira voltamos pela Rio – Santos sem trânsito e logo estávamos em casa, desfazendo as malas e loucos para revelar as fotos.

18 comentários:

  1. Que bacana o relato de vocês!
    De certar forma pude relembrar as duas voltas que dei na Ilha, uma com minha namorada.
    Muitas saudades!
    um abraço,
    Umberto

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  2. Nossa amei o blog de vcs.... vou fazer uma volta dessas e voces vao me ajudar :D - com esse roteiro... emagresceram muito???
    rsrs bjo ....

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    1. rsrs... não sei se emagrecemos ! Acho que comemos bastante.

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  3. Muito legal esse seu relato. Viajei aqui relembrando de quando fiz a volta a Ilha.
    Poxa o lance com o macacos aconteceu comigo tbm. Simplesmente maravilhoso.Subir aquele morro enorme de Provetá p/ Aventureiro é algo de muito louco. Passar nas praias Leste e Sul, é algo indescritivel, tamanha a beleza das duas.
    Vc ta de parabéns pelo seu relato.
    Show de bola.

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  4. Você escreve muito bem! Foi muito bom ler o "diário" de vocês durante a volta à ilha. Eu estou indo fazer a mesma volta pelo mesmo roteiro daqui a 3 ou 4 dias. Mas minha idéia é dar a volta em 5 dias só, mas nao vou subir o Bico do Papagaio. Vou deixar essa trilha como um comprovante que voltarei.

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  5. Olá..
    adorei a descrição da aventura que, aliás, estou me preparando pra fazer nesse feriadão de Tiradentes. Não vejo a hora de estar naquele paraíso!

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  6. Olá, Waldyr!
    Cara, muito legal seu relato! Tou querendo fazer um roteiro parecido em fevereiro, mas tou com um problema em achar bons mapas. Voce sabe de algum mapa detalhado da ilha? De preferencia topográfico...
    Obrigado,
    Ciro.

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    1. Ola Ciro, você encontra bons mapas e até o guia das trilhas de lá em Abraão.

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  7. ADOREI TUDO QUE ESCREVEU. PARABÉNS MESMO! EU TAMBÉM COSTUMO FAZER ESSAS TRILHAS TODO ANO E MERGULHAR NESSAS ÁGUAS ABENÇOADAS DA ILHA GRANDE.
    GILSON LONGA

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  8. Achei muito molezinha o relato,parece que a volta a Ilha é algo assim tão fácil.rsrsrs,estou brincando,só pra descontrair.Não sei bem o ano que vocês foram,parece que foi em 2008,mas se vocês forem em Dois Rios hoje irão ver que está muito modificado,o presídio foi transformado em museu do cárcere,muito bacana. Não acho o lugar baixo astral (apesar do fantasma do presídio)a praia de Dois Rios é linda,calma,semi-deserta,estive lá em 09/03/2013 a praia estava deliciosa,com água morna, e ainda fomos agraciados com a presença de um visitante muito fofinho,um pinguim.Vocês foram super corajosos de fazer a trilha não oficial Caxadaço/Santo Antônio,nem mesmo os moradores da ilha gostam de fazer essa trilha,mas graças a Deus deu tudo certo não é?Um grande abraço e parabéns pela aventura.

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    1. Ola Josete, fizemos a Volta em 2006. Tivemos essa impressão de Dois Rios talvez por chegar de Parnaioca, passando por guaritas abandonadas e as próprias ruínas do presídio. Foi o que sentimos no momento. Mas o lugar é realmente bonito. O trecho de Caxadaço até Santo Antônio é um pouco confuso mesmo, mas tínhamos algumas infos e fomos encontrando a trilha. No final foi muito legal. Obrigado por comentar!

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    2. Olá Waldyr, na companhia de meu filho acabei de fazer a Volta a Ilha ontem, 8/5/16. Seu relato serviu como orientação e talvez tenha sido minha melhor experiência em trilhas. Percorremos todo o percurso sem problemas. Confesso que foi extenuante, mas valeu a pena.
      Forte a abraço.
      Louis Perry

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