quarta-feira, 29 de abril de 2009

Travessia Caxambu - Santo Aleixo, ou... o dia em que eu faltei meu aniversário

Eu nunca liguei muito pra aniversário. Reunia os amigos, tomava um vinho, minha mãe fazia um bolinho. Tudo simples e improvisado. Já até passei alguns viajando, pois volta e meia meu aniversário coincide com a Semana Santa.

Mas eu ia fazer 40 anos... e quarenta anos parece ser um marco na vida do homem. Um amigo me disse “Você chegou no cume.... agora é só descida”. Odiei essa... Mas pior ainda é agüentar a gozação sobre a eminência da primeira visita ao proctologista. Céus... Entrar nos “ENTA” não é fácil.

Assim, bastante incentivado pelos amigos e gozadores de plantão, resolvi fazer um festão. Reservei a Pousada El Nagual dos meus amigos Eraldo e Mariana. Ele alemão, ela argentina, rodaram o mundo fazendo comida para alguns dos meus ídolos de juventude: Carlos Santana, Ozzy Osbourne, Def Leppard... A história de como eles foram parar lá em Santo Aleixo daria um livro, daqueles bem loucos, coloridos e cheirando a incenso.

Combinei um churrascão lá, com direito a piscina natural e cachoeira dentro da pousada. E marquei a linda Travessia Caxambú – Santo Aleixo pra quem quisesse, junto comigo, chegar caminhando (e faminto). Assim, os preguiçosos iriam de carro, e os intrépidos iriam comigo pela longa trilha que começa lá em Petrópolis.

A data foi chegando e a turma foi se dividindo. A patroa Gisele malandramente disse que tinha encomendado o bolo e teria que ir de carro. Alguns outros preguiçosos se juntaram a ela. E lá no clube a prancheta com a caminhada ia enchendo. Previsão de tempo bom... tudo parecia perfeito! Digno de um aniversário de 40 anos.

E eis que chega o dia. Acordamos cedo e fomos todos pro ponto de encontro. Meu parceirão Jair Amaral, com seus 73 anos, estava lá, firme e forte. A Suzana com seu netinho Bernardo, O Wanderley com a Teresa. Completaram o time do Hugo e a Márcia, sócios do CEB que eu nem conhecia e que souberam da caminhada e pediram para participar. Iam filar um churrascão e nem sabiam...

Partimos de ônibus para o bairro Caxambú, em Petrópolis. Começamos a caminhar pela estradinha até a entrada da trilha. Assim que entramos na trilha, nossa primeira surpresa: o trecho das plantações estava com capim bem alto, e encharcado. Todo mundo tava de bota impermeável... mas o capim molhava a perna e a água escorria meia adentro. Com poucos minutos de caminhada a gente ouvia aquele som schlop, schlop, de bota cheia d água. Fora aquele cheirinho de capim gordura impregnando tudo. Mas logo chegamos no trecho de trilha na mata e não era uma bota cheia d água que iria comprometer o astral do grupo.

Mas a trilha estava fechada... logo a trilha do Alto da Ventania, uma larga trilha usada para manutenção das torres de alta tensão. Um verão inteiro com muita chuva e um desgraçado de um atalho que vem sendo usado deixaram a trilha em péssimas condições. Assim, o facão que não saiu da mochila na minha última Caxambu – Santo Aleixo, começou a trabalhar. Bateu um mau pressentimento... como estaria da descida do outro lado?

Logo chegamos no Alto da Ventania, com seus 1.560m de altitude e aquele fantástico visual das montanhas ao redor. O dia lindo e a perspectiva de iniciar a longa descida para Santo Aleixo levantaram de novo o astral do grupo, que se divertia tirando as botas e torcendo as meias ensopadas. Fiz minhas contas de cabeça e cheguei à conclusão de que já tínhamos uma hora de atraso no acumulado. Nada que não desse para recuperar.

Depois de um bom lanche pegamos a trilha morro abaixo. Iríamos dos 1.560m de altitude do Alto da Ventania, para os cerca de 200m de altitude da Pousada. Um baita desnível pros nossos padrões. Nessa hora liguei meu rádio novinho, de super longo alcance coisa e tal, e tentei ir contatando a Gisele, que já devia estar chegando em Santo Aleixo com o bolo. Sem contato por enquanto...

Tocamos pra baixo, com a trilha bem razoável. Cheguei a ficar bem tranqüilo. Passamos pelo lindo riacho e chegamos no trecho aberto, que leva à Garganta das Três Torres, a parte mais bonita da trilha. Mas o capim estava super alto, praticamente escondendo a trilha. Sai na frente abrindo o caminho, daquele jeito engraçado com se estivesse pedalando uma bicicleta gigante (que já abriu caminho em capinzal sabe o que é isso) e finalmente chegamos na Garganta. Já tínhamos vencido 400m de desnível. Paramos para um lanche e pela primeira vez tivemos a visão do restante da trilha, um longo vale até Santo Aleixo. Tentei contato no rádio, e nada... tava louco pra usar meu “brinquedo novo”.

Partimos morro abaixo, num lindo trecho de mata. Mas aí o bicho pegou. A trilha estava surpreendentemente fechada. Tentei ir batendo facão sem perder o passo, e a turma seguia firme sem reclamar. Afinal, tinha um churrascão lá no fim da trilha. Árvores caídas, trilha confusa, mas a gente seguia decidido.

E logo surgiram os primeiros taquaruçus, que são aqueles bambus turbinados, que quando caem na trilha são bem difíceis de transpor, mesmo com facão. Sabia que teríamos um trecho de pelo menos uma hora pela mata dos taquaruçus, passando agachados em alguns lances, passando por desvios em outros, até pegar uma larga e bonita trilha na mata, já na parte mais baixa do vale. Era vencer os taquaruçus e correr pro abraço, ou pro churrasco.

E lá eu fui batendo facão no trecho de transição entre a mata de cima e os taquaruçus, e subitamente cheguei num trecho bem aberto. Virei pra trás e disse “Opa, a trilha melhorou!”. Mas na verdade achei meio estranho, pois o trecho dos taquaruçus era todo fechado, sombrio. Que claridade era aquela? Caminhando mais um pouco, já na faixa dos 800m de altitude, a trilha simplesmente desapareceu debaixo do que parecia ser uma imensa parreira de chuchu vista de cima. Todos os taquaruçus tinham caído, derrubando tudo junto com exceção das árvores maiores. Passar por baixo era impossível, passar por cima extremamente penoso, e ai se perdia a referência da calha da trilha. E aquela trama de taquaruçus mortos se estendia por centenas de metros em todas as direções. Caiu a ficha... dali, só retornando.

Cheguei a fazer uma enquete: “-Pessoal, ou a gente volta ou abre esse caminho no peito”. A turma arregalou um olhão e disse em coro “-Abre no peito!” E eu que já tava batendo facão a seis horas... Chamei o Wanderley pra pensar comigo. Eram 13:00 horas. Tentamos mais um pouco encontrar a trilha em algumas direções, mas às 13:30 eu bati o martelo (até porque não agüentava mais bater facão). A única saída garantida da mata com luz do dia seria pra cima, voltando pra Petrópolis. A essa altura o churrasco já estava rolando pros poucos felizardos que foram de carro. E eu tentando passar um rádio pra Gisele, sem sucesso. Porcaria de rádio novo...

Todo mundo cansado e desanimado. Uma longa e penosa subida pela frente, o churrasco ficando pra trás e eu não conseguia avisar ninguém. Quase duas horas de subida e chegamos na Garganta das Três Torres. O Jair avisou “-Quebrou minha bicicleta”. Tava exausto! Consegui contato por celular e finalmente avisei que estávamos voltando, sem nenhuma previsão de chegada.

Um rápido lanche na Garganta e mais um toca-pra-cima cruel... Mata ficando escura, inventário de lanternas, grupo cansado... Às cinco da tarde chegamos no cume do Alto da Ventania, já com aquela coloração de fim de tarde. Tão bonito, mas tão bonito, que teve um efeito quase mágico no grupo. Todos, inclusive eu, estávamos felizes de estar ali novamente, depois de uma dura provação. Lanchamos tudo que restou e descemos de volta pro Caxambú, saindo da trilha exatamente na hora que escureceu. Paramos num boteco, tomamos umas cervejas e comemoramos uma caminhada daquelas especiais. Daquelas que nos torna mais amigos.

Mas eu ainda tinha um problemão pra resolver. Tinha que chegar na Pousada. A Gisele tava lá, meu carro tava lá, minhas coisas estavam lá e eu tinha reserva pra passar o final de semana lá... que enrascada...

Acabei indo pra casa, onde peguei a scooter da Gisele e toquei pra estrada. Consegui chegar na El Nagual por volta das dez da noite. Encontrei tudo arrumado, com balões, mesinhas, bolo intacto sobre a mesa. Por sorte ainda tinha uns gatos pingados comendo churrasco e tomando cerveja desde cedo e, junto com a turma da pousada, rolou até um “parabéns pra você”. O bolo era tão grande que foi servido no café da manhã da pousada em todos os dias do feriadão.

No dia seguinte, já do alto dos meus 40 anos, caminhei pelo vale até um ponto onde era possível ver a descida dos taquaruçús. Fiquei mais tranqüilo ao ter certeza de que acertamos na difícil decisão de voltar. Teríamos perdido um tempo precioso tentando transpor os taquaruçus, sem a menor chance de sucesso. Conversando com os locais, fiquei sabendo que os taquaruçus morrem todos a cada 100 anos, e como conseqüência desta morte nascem os brotos. E este raro fenômeno ocorreu justamente neste verão de 2009.

De toda essa experiência, uma certeza: Que dureza fazer 40 anos !!