quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Clique com o coração, edite com o cérebro

Por Waldyr Neto - 



Nesse novo artigo eu pego uma carona na citação do fotógrafo sueco Anders Petersen:


"Shoot from the gut, edit with your brain"


"Clique com o coração" não é a tradução exata de "Shoot from the gut", pois "gut" está mais para estômago, ou vísceras. Talvez isso faça mais sentido dentro do estilo de fotos do Anders Petersen - retratos, street, cotidiano... Nas fotos de paisagem eu gosto de pensar que eu clico com o coração.

Sobre a segunda parte da citação - "edite com o cérebro" - vamos entender aqui o sentido da palavra em inglês onde editar = edit, que quer dizer selecionar as melhores fotos. O processo seguinte, o tratamento, seria o treatment ou post-processing. Como quase toda a literatura sobre fotografia é em inglês, é importante ter esses termos bem entendidos.

Mas de volta ao nosso assunto...


Clique com o coração

Foto de Gisele Rossignoli

O momento do clique deveria ser de inspiração - a espera pela luz, a busca da composição, a percepção do momento mágico que merece ser capturado. É preciso estar tranquilo e ao mesmo tempo atento. É preciso manusear o equipamento de forma praticamente mecânica, o que requer estudo e prática.

Essa é a hora de experimentar, ousar, deixar a intuição te levar. Buscar enquadramentos criativos, testar ideias, registar um tema interessante sob vários pontos de vista.





Jacuzzis do Monte Roraima sob vários ângulos


Edite com o cérebro

Lembrando aqui que editar é o ato de selecionar as melhores fotos - atividade para fazer em casa, tranquilo, e de preferência algum tempo depois das capturas. Isso pode soar estranho, pois é comum termos uma ansiedade de ver e mostrar nossas fotos recentes.

Foto de Gisele Rossignoli

Esse intervalo é importante e serve para que as emoções envolvidas na captura não interfiram na nossa avaliação.

Mas que emoções são essas? Alguns exemplos:


  • Eu aprendi uma técnica nova, esperei dias até poder sair para fotografar e aplicar essa técnica. Quando fui para campo consegui aplicar a técnica e fiz um tipo de foto que eu sonhava fazer...  
  • Eu planejei uma foto em detalhes, local, data, enquadramento. Quando fui para campo tudo deu certo e eu voltei para casa com a minha foto...
  • O tempo estava fechado. Nada indicava que ia abrir, mas na "hora H" tudo clareou e eu consegui a minha foto...
  • Eu sonhei a vida toda em conhecer um lugar. Um dia eu viajei e lá estava eu, fotografando o lugar dos meus sonhos...


Repare que nos casos acima a captura pode estar associada a fortes sentimentos de realização, de atingir um objetivo. E essa carga de sentimentos pode nos induzir a uma avaliação totalmente equivocada das nossas fotos.

Uma foto é boa quando ela se resolve sozinha; não quando ela representa a satisfação de atingir um objetivo, ou quando ela trás boas recordações, ou quando ela está associada a bons sentimentos.


Daí ser tão difícil avaliar nossas próprias fotos de forma isenta.

Daí ser tão importante deixar passar algum tempo entre a captura e a avaliação.

Daí ser tão importante submeter nossas fotos para a avaliação de terceiros.


Foto de Flávio Varricchio


Eu mesmo confesso que sou um fotógrafo bastante impulsivo, tanto para descer um barranco correndo para achar um enquadramento interessante, quanto para chegar em casa ansioso para ver e tratar as fotos. E normalmente eu me arrependo disso... 

Com frequência eu garimpo fotos antigas e constato que publiquei na época uma foto mediana e não percebi uma foto muito melhor. Na primeira análise fui guiado pelo sentimento envolvido na captura. Na segunda pela avaliação isolada da foto.

Hoje eu me policio para não cometer esses erros. Antes de publicar uma foto no meu portfólio eu posto em fóruns, mostro para amigos, etc. Junto a minha percepção com a percepção de terceiros e formo uma análise mais isenta. 

O processo de "renegar" algumas das nossas fotos pode ser tão traumático que essa seleção do que não mostrar costuma ser chamada de "kill your babies" em inglês, numa alusão à alguns animais, em geral aves, que decidem alimentar os filhotes mais fortes, deixando morrer os mais fracos. 

Então é isso... Kill your babies e mostre apenas o que deve ser mostrado. Descarte as fotos ruins e médias, selecione e trate as boas. Seu portfólio agradece.

Foto das Jacuzzis do Monte Roraima que foi selecionada, tratada e publicada


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quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Ok, siga as modinhas... mas não descuide da composição!


Por Waldyr Neto - 

De tempos em tempos surge uma novidade na fotografia que rapidamente vira uma febre. Lembro de uns anos atrás quando todo mundo queria tirar uma foto da lua cheia. O cara comprava uma câmera superzoom e ficava todo orgulhoso quando postava no Facebook aquela linda foto da lua cheia...


...igual a todas as outras fotos de lua cheia...

Outro modismo curioso foi o HDR. Todo mundo queria fazer, e o resultado na maioria das vezes era algo mais próximo do bizarro do que qualquer coisa que lembrasse uma boa foto. De lá pra cá posso citar o advento dos drones, fotos de rastros de estrelas, etc. A modinha do momento é fotografar a via láctea.

A questão é que tem uma armadilha aí...


No início da moda todas as fotos causam impacto. É a novidade, a foto que poucos sabem fazer. É postar nas redes sociais e as curtidas e elogios são garantidos. Mas depois de um tempo o modismo passa, e um monte de gente já sabe fazer aquele tipo de foto. E o que era festa vira ressaca.

Mesmo na modinha mais atual, as das fotos de via láctea, eu já percebo os primeiros sinais de ressaca. Eu já começo a ver em fóruns de fotografia a frase: "- Legal, ficou bem feita... mas... eu não curti muito a composição".

A ressaca é na verdade um amadurecimento. Sem o encanto da novidade o julgamento volta a ser correto. Foto boa é foto boa. E tem as outras que não dizem muita coisa (como essa minha foto da lua cheia postada logo acima).

Mas como não cair nessa armadilha? Basicamente envolve colocar a composição antes da técnica.

As técnicas precisam ser aprendidas, dominadas. E pra isso é bem provável que a gente tenha que estudar, sair para campo e praticar. Mas treino é treino e jogo é jogo. Tem que ter maturidade para não cair na armadilha do aplauso fácil e seguir firme na determinação de fazer fotos memoráveis, que continuarão memoráveis mesmo quando a moda passar.

Eu tenho para mim que a lua, as estrelas, as nuvens, a luz, etc., são parte da natureza, parte do que é visto pelo meu olhar. E aí eu uso a técnica que eu preciso pra capturar a beleza disso, tendo sempre a composição como ponto de partida.












Cada uma das fotos acima foi pensada como composição, e para realizá-las eu saquei os recursos e técnicas que eu precisava para transformar minha visão em foto. O conhecimento técnico é fundamental, tanto na captura quanto no tratamento, mas o ponto de partida é a nossa visão.



Parece complicado? Talvez seja sim. Tem aí uma complicada combinação de "humanas" e "exatas". A gente tem que ficar virando a chavinha do lado emocional para o lado lógico do cérebro e vice-versa. Isso o tempo todo ao longo do processo.



É um longo aprendizado...

Mas bacana! Você chegou aqui porque é determinado e estudioso. Acho que você merece beber um pouco de água da fonte... Deixo abaixo duas frases do mestre Ansel Adams para reflexão:


"There is nothing worse than a sharp image of a fuzzy concept"
(não há nada pior do que uma imagem nítida de um conceito embaçado)

"There are no rules for good photographs, there are only good photographs"
(não existem regras para boas fotografias, existem apenas boas fotografias)


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quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Tratando uma foto do interior de um refúgio de montanha

Por Waldyr Neto - 


Nesse novo artigo sobre tratamento de imagens com o Adobe Lightroom eu mostro como tratar uma foto de interior, no caso o interior de um abrigo de montanha que nós usamos como base nos nossos workshops e expedições em Três Picos, o Refúgio Canto da Pedra.




A Captura Digital em RAW

Tudo começa com uma boa captura, de preferência no formato RAW. O vital aqui é se preservar as informações nas altas luzes; e a riqueza de informações do arquivo RAW vai te permitir recuperar os detalhes das sombras. No formato JPEG esse ajuste fica bastante comprometido.

Em cenas com grandes contrastes é comum a captura parecer bem sub-exposta. Mas não se engane -  o importante aqui é não ter estouro nas altas luzes.

(clique na foto para ampliar)

Repare que podemos distinguir a vegetação por entre as janelas. Temos um pequeno estouro nas lâmpadas, mas isso não tem importância. Lâmpadas são estouradas por definição. Lá no canto superior direito tem o histograma tocando levemente a extremidade direita. Esse é o ponto ideal para captura de uma foto digital em RAW. Essa é a captura perfeita, esperando por um bom tratamento.

Vamos em frente...

Tone Mapping

O passo seguinte é a etapa crucial do tratamento de uma foto em RAW, o Tone Mapping, que pode ser feito no painel Básico ou no painel Curva de Tons. Eu prefiro fazer no painel Básico, só usando as curvas quando preciso de ajustes muito específicos. 

(clique na foto para ampliar)

O Tone Mapping segue uma lógica que permite ajustar a luminosidade da foto preservando detalhes em todas as faixas de tonalidade - desde o preto, passando por uma ampla gama de semi-tons até chegar no branco. Ao final do Tone Mapping a imagem está próxima àquela percebida pelo olho humano. Para ver os ajustes aplicados basta clicar e ampliar a foto acima.

Claridade e Cor

O passo seguinte, ainda no Painel Básico, é ajustar a claridade e a cor. O comando claridade existe para devolver vida à foto, em parte retirada pelos filtros que existem na frente do sensor. Usado com moderação costuma dar ótimos resultados. Nessa foto eu apliquei um pouco de claridade e não alterei nada nas cores. A foto ganha vida e salta na tela.

(clique na foto para ampliar)

Nitidez e Redução de Ruído

Nesta etapa a gente amplia a foto em 1:1, ou seja, encaixa os pixels da foto nos pixels do monitor. Com essa visão mais precisa nós fazemos o ajuste fino de nitidez e ruído. Ao final a foto está praticamente pronta.

(clique na foto para ampliar)

Nessa hora podemos dizer que a foto está pronta, é uma foto correta... e muita gente para por aqui. Mas o que vai ser realmente o diferencial é aplicar um olhar mais artístico, mais autoral. É hora de se perguntar:
  • É realmente uma boa foto? 
  • Tem algum elemento de distração que enfraquece a composição?
  • Como o olhar percorre a foto? Posso fazer alguma coisa para "conduzir" esse olhar pela foto?
  • Tem áreas que podem ser clareadas ou escurecidas de forma a tornar a composição mais interessante? (clarear ou escurecer partes de uma foto digital equivalem aos processos de dodge e burning, amplamente utilizados na fotografia analógica).
  • Tem distorções que precisam ou podem ser corrigidas?
Ajustes Localizados

Nessa foto eu identifiquei um elemento de distração, um "meio tapete" aparecendo no canto inferior direito. É um detalhe aparentemente sem importância, mas me incomoda. Ao olhar a foto por um tempo meu olhar acaba estacionando ali. Isso é totalmente subjetivo, e outra pessoa olhando a foto pode ter uma percepção totalmente diferente. Mas eu preferi seguir meu instinto e "retirar" a pontinha de tapete. Para isso usei a ferramenta de remoção de mancha, clonando um pouco de chão verde sobre o tapete. 

(clique na foto para ampliar)

Clicando na foto acima dá para ver a área de chão que cobriu o tapete. Manobras como essa podem ser extremamente controversas. E aí não existe uma regra - são decisões realmente individuais. O que eu uso para mim é uma máxima que vem do montanhismo:

"Almeje o topo mas relate com honestidade"

Se alguém perguntar se eu fiz alguma alteração mais pesada no tratamento de uma foto eu vou dizer a verdade, se fiz ou não fiz. E por isso eu evito fazer coisas que eu me envergonharia de contar.

Mas isso tudo é absolutamente subjetivo e individual... 

Correção de Perspectiva

Como a foto foi feita com uma lente bem angular, tem uma baita distorção nas extremidades. A coluna e a porta estão inclinadas para fora. Talvez você goste da foto assim, ou talvez não. Na fotografia de arquitetura é usual corrigir as perspectivas, mas na fotografia autoral é uma escolha. Eu optei por corrigir, até para ver como fica.

(clique na foto para ampliar)

No final eu ainda apliquei um pouquinho de vinheta para direcionar o olhar para dentro da foto. Abaixo o resultado final.

(clique na foto para ampliar)

Algumas pessoas curtem muito fazer aqueles comparativos antes x depois, o que para mim não faz muito sentido. O verdadeiro "antes" é a cena que eu via com os meus olhos. A imagem capturada é apenas uma etapa intermediária do processo. O desafio é fazer a nossa visão virar uma foto, e para isso é vital o domínio das etapas envolvidas.


Se você chegou até aqui, parabéns! Fotografia se aprende com esforço e estudo. Quem gosta de atalhos e facilidades não vai muito longe. Pra você que é persistente eu deixo mais algumas dicas:

  • A captura e o tratamento são um processo integrado. O que você faz na captura já define boa parte do que você vai fazer no tratamento. Ou mais ainda... a sua visão define a captura e o tratamento. Entendeu né? É pra dominar o processo inteiro. 
  • O tratamento é uma etapa fundamental. Não deixe de aprender a tratar fotos por preconceitos ou por "ver um monte de foto bizarra no Facebook". Se preocupe com as suas fotos. Aprenda a fazer um bom tratamento. Tenha como referencia as boas fotos, não as ruins.
  • Já usei alguns pre-sets e não gostei. E já tentei criar os meus próprios pre-sets e também não gostei. A parte fundamental do tratamento é o tone mapping, que é um ajuste muito específico de cada foto. Se quiser fazer fotos em alto nível, trate uma a uma.
  • Contraste, claridade e saturação são os "botões da perdição". Na dose certa valorizam a foto. Na dose errada deixam a foto super artificial. Seja cauteloso, principalmente no início do seu aprendizado.
  • Tenha um computador ou notebook decente. Não adianta ter câmera, lente e tripé bacanas e ter um computador caindo aos pedaços. O equipamento tem que ser coerente por todo o processo.
  • Só como referência, eu levo de 1 a 2 minutos para tratar uma foto como a desse artigo. É raro levar mais do que isso. E eu faço uma boa seleção das fotos que eu vou tratar. Fotografar em RAW e tratar as fotos não é esse bicho de sete cabeças que dizem por aí.

Se você gostou do artigo e que ir mais a fundo, venha fazer a Oficina de Lightroom com Waldyr Neto Clique no link e veja os depoimentos de quem já fez.



terça-feira, 18 de abril de 2017

Tratar ou não tratar as fotos?

Por Waldyr Neto - 


Recentemente eu fui premiado num concurso da Canon Brasil com o tema Natureza Exuberante. O site apresentava as doze fotos classificadas, seis na categoria APS-C (sensores cropados) e seis na categoria full frame. Um conjunto realmente bonito de fotos, resultado de talento e esforço. Clique aqui para conferir.

Na postagem da Canon Brasil no Facebook, apresentando o resultado do concurso, fiquei impressionado com a quantidade de comentários negativos, dizendo que as fotos eram artificiais, consequência mais do tratamento do que da qualidade da captura, ou da inspiração e conhecimento do fotógrafo.

Deixando de lado qualquer sentimento com relação aos comentários, acho interessante constatar que existe hoje uma certa aversão pelo tratamento das fotos. Como se tratar a foto fosse anti-ético. Pra quem quer evoluir na fotografia tem um risco grande aí - o risco de não aprender a tratar bem as fotos.

Se você se interessou pelo assunto, vamos em frente. Talvez o artigo seja longo... Vou explicar como funciona da captura digital e vou mostrar o passo a passo da captura e tratamento da foto acima. Acredite. Tem informação valiosa aqui...


A Captura Digital

Sem entrar nas questões artísticas ou óticas, a captura digital basicamente é a leitura da luz por um sensor.


O sensor é uma pequena placa com milhões de pixels, que por sua vez são conjuntos de micro-diodos, ou mais especificamente foto-diodos. Grosseiramente podemos dizer que esses diodos "contam" fótons, ou seja, medem a quantidade de luz que incide sobre eles, gerando inicialmente um sinal elétrico que depois vira um número. Nas arquiteturas mais comuns - Canon, Nikon, Sony, etc. cada pixel é composto de foto-diodos que leem a luz vermelha (Red), verde (Green) e azul (Blue). Soa familiar? Sim, estamos falando da sigla RGB.

A leitura dessa informação em todos os pixels, e mais uma série de outras informações - câmera utilizada, lente utilizada, abertura, tempo, ISO, data, etc., vão gerar um arquivo de dados chamado RAW. Vamos entender aqui que o arquivo RAW não é uma imagem. RAW é um arquivo de dados.

Quando fotografamos em JPEG com nossas câmeras ou até smartphones, existe a leitura da luz, o arquivo RAW é gerado e em seguida é feita uma conversão. É nesse momento que o JPEG (imagem) é gerado e o RAW (dados) é apagado.

A conversão do RAW em JPEG sofre influência de parâmetros que definimos na câmera - white-balance e outros. E sofre influência também de definições internas da câmera. Basicamente podemos dizer que um JPEG tem uma edição feita em grande parte pelo engenheiro de software do fabricante da câmera.

Então, deixando bem claro aqui:


  • Uma foto JPEG (sem edição posterior) não representa necessariamente a realidade.
  • Uma foto JPEG é uma foto editada. Em grande parte editada pelo fabricante da câmera, com alguma influência do fotógrafo. 
  • Toda foto digital é editada. 

Tá interessante (ou pelo menos polêmico)? Vamos em frente...


De uns bons anos para cá os fotógrafos começaram a questionar a qualidade da edição padrão da câmera, e mesmo a possibilidade de fazer uma edição posterior com qualidade. Os fabricantes foram rápidos e passaram a permitir que o fotógrafo recebesse o arquivo RAW. Com o RAW na mão a conversão para JPEG passa a ser feita fora da câmera, em aplicativos como o Adobe Lightroom. Em outras palavras, o fotógrafo tem o poder de interferir bem mais na conversão do JPEG.


Um JPEG (imagem) é uma das múltiplas possibilidades de um RAW (dados).


Tratando uma foto RAW

Primeiro vamos deixar claro aqui que uma foto JPEG também pode ser tratada. Cada efeito aplicado terá uma intensidade um pouco menor que no RAW, e a imagem vai tender a ficar mais degradada. Se é para tratar a foto, melhor que seja no RAW. 

A foto abaixo foi feita com uma Canon 5D markII e uma lente Canon 17-40mm f/4 L. Usei abertura f/11 para ter bastante profundidade de campo (foco em toda a cena) e ISO 160 para ter uma ótima resolução. O tempo, 1/100s, foi em função de não perder os detalhes na parte mais clara da nuvem. 


Numa primeira olhada a foto parece sub-exposta, ou seja, escura. Mas repare que a na parte mais clara das nuvens as informações foram preservadas - tem textura, tem semi-tons. Preservar os detalhes nas altas luzes é vital no processo de captura digital.

Vamos entender...

Aqui existe um conceito chamado alcance dinâmico. Podemos dizer que é a medida de contraste da cena, ou seja, a diferença de luminosidade da parte mais clara e mais escura. O olho humano, com sua pupila que contrai e dilata involuntariamente, lida com um imenso contraste. Já os sensores das câmeras digitais atuais, mesmo os melhores, lidam com um contraste muito menor. Resultado: Em cenas com grandes contrastes, comuns em fotos de paisagem, a câmera não consegue entregar um resultado igual ao que você está vendo. Você vê detalhes nas sombras e nas altas, mas a foto vai sair com alguma área sacrificada. Pra piorar, é bem provável que a câmera, no seu modo automático, sacrifique as altas luzes. 

Qual o problema aqui? Simples... no processo digital é possível recuperar a informação das áreas de sombras, mas não é possível recuperar a informação perdida nas áreas de altas luzes. Daí a necessidade de se fazer a captura preservando textura e semi-tons nas áreas mais claras.

Vamos começar a tratar a foto... para isso eu utilizei o aplicativo Adobe Lightroom CC (última versão). Vamos deixar claro aqui que não existe um único jeito certo de tratar uma foto. Eu vou mostrar o que eu faço.

A partir da correta captura digital em RAW, o passo inicial do tratamento é fazer o tone mapping. Não adianta ir la no Lightroom procurar um painel com esse nome. Tone mapping é o nome genérico de um processo que envolve devolver à foto a luminosidade original. Isso é feito no painel básico. 

O que eu fiz no tone mapping dessa foto? Levantei a exposição, reduzi um pouco o contraste, baixei as altas, revelei as sombras, estiquei os brancos até ter branco, fechei os pretos até ter preto. 


O resultado é algo bem próximo do que eu vi com meus olhos. O tone mapping é a etapa crucial do tratamento de uma foto em RAW.

O passo seguinte foi acrescentar um pouco de clarity (claridade na versão em português). O clarity é uma ferramenta de avivar os detalhes da foto. Em excesso fica artificial. Na dose certa valoriza a foto.


A foto esta quase pronta. Não precisei mexer em saturação (intensidade das cores). Na maioria das vezes não é preciso. 

O passo final de um tratamento é a nitidez / redução de ruído. É a hora de dar zoom na foto e ver o detalhe. Fica meio imperceptível nessa escala, mas faz bastante diferença em ampliações maiores. Os ajustes estão visíveis ali na direita.


A foto está praticamente pronta. Mas como foi feita com uma lente angular, existe alguma distorção. Reparou que as paredes da casa estão tortas, convergindo para cima. É possível corrigir isso, deixando a foto ainda mais fiel ao que o meu olho via. Aplicando a correção de perspectiva podemos deixar tudo certinho.


E aqui o resultado final




Jogando Lenha na Fogueira

Vamos lá... se você chegou até aqui, parabéns. Fotografia envolve esforço e estudo. Quem desiste no início não vai longe.

Deixo aqui uma questão: Se a gente considerar que a realidade é o que o olho humano percebe, qual das duas fotos abaixo é mais próxima da realidade. A sem tratamento, ou a tratada?

Foto sem tratamento:


Foto tratada:



Pra fechar, deixo abaixo uma boa dose de lenha pra botar na fogueira, com gasolina e um isqueiro. Mas não sou o dono da verdade. Todo debate é bem vindo.


  • As mesmas ferramentas que te permitem fazer um bom tratamento, te permitem fazer um mau tratamento. Aprenda a fazer bem feito.
  • Você pode sim alterar a foto conforme seu gosto. Mudar cores, acrescentar ou retirar elementos. Mas se fizer uma alteração pesada, não negue que fez. Roubando aqui uma máxima do montanhismo: "Almeje o topo, mas relate com honestidade". É a sua reputação que está em jogo.
  • Dodge e burning eram processos de clarear e escurecer seletivamente partes de uma foto. Isso em foto de filme... Tratar fotos não é novidade nem exclusividade de foto digital.
  • Tratar bem as fotos leva um tempinho. Não perca tempo com discussões sem sentido. Comece a aprender.
  • Tem muita foto bizarra na internet. E tem muita gente que curte... Isso não tem importância nenhuma. Estude e se inspire nas fotos boas.
  • Ao fazer uma foto, tente guardar o que você sentiu, o que você viu com os seus olhos. Traga isso de volta no tratamento. 

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domingo, 26 de fevereiro de 2017

Fotografando o Cinturão de Vênus

(contemplando o Cinturão de Vênus no cume da Cabeça de Dragão, 2.050m, Três Picos)

O fenômeno conhecido como Cinturão de Vênus (belt of Venus) é bastante comum e pode ser visto quase que diariamente no amanhecer e no entardecer, normalmente na direção oposta ao sol. É um fenômeno rápido - dura uns 10 ou 15 minutos. Mas nesse curto intervalo podemos fotografar a paisagem com uma linda faixa de luz rosada próxima ao horizonte.

Nota: O aplicativo do blog costuma comprometer bastante a qualidade das fotos. Para ver as fotos em qualidade um pouco melhor basta clicar e ampliar. Ou clique aqui para conhecer meu portfólio no Flickr.

A origem do nome remonta à mitologia grega, fazendo referência ao cinto da deusa da beleza e do amor - Afrodite, que mais tarde na mitologia romana recebe o nome de Vênus.

(Afrodite e seu cinto, na tela da pintora russa Anna Razumovskaya)

Para entender o fenômeno tomemos por base o pôr do sol...

Tudo acontece durante a hora mágica. Para mais detalhes dê uma olhada no artigo sobre a Luz ao Longo do Dia.

Quando o sol está quase tocando a linha do horizonte, os tons são quentes e a cena tem um contraste extremo. É a hora mágica no seu auge...   ... mas dando as costas para o sol vemos uma cena e uma luz totalmente diferentes. Na linha do horizonte temos uma luz cinza/azulada, que é a própria sombra da terra projetada no céu. E a cima dessa luz azul temos uma faixa rosada, que é a retrodifusão da luz do sol através da atmosfera - o nosso Cinturão de Vênus. Acima do Cinturão tudo volta da ser azul, ou com sorte podemos ter ainda nuvens iluminadas pela luz do sol.

(Cinturão de Vênus visto num entardecer no Alto da Ventania, Petrópolis)

Depois do pôr do sol temos o auge do Cinturão de Vênus, que aos poucos vai se dissipando e dando a vez à blue hour e depois à noite profunda (não deixe de ler o artigo da luz ao longo do dia). De manhã o processo é o inverso, ou seja, o Cinturão de Vênus começa a ficar visível pouco antes do nascer do sol e depois se dissipa. 

(Cinturão de Vênus sobre os Castelos do Morro Açu, após o pôr do sol)

Do ponto de vista do planejamento das nossas fotos na hora mágica, é importante considerar a possibilidade de fotografar o Cinturão de Vênus. Para isso basta escolher uma locação com visão para os dois lados, o do sol e o oposto. Se o tempo permitir, o Cinturão estará lá.

Do ponto de vista da complicada fotometria das fotos de nascer e pôr do sol, o Cinturão acaba sendo uma "colher de chá", pois o menor contraste não costuma pedir HDRs ou o uso dos caros filtros graduados. É uma luz mais fácil de lidar e ainda sim uma luz muito bonita.

(Entardecer nos Portais de Hércules, Serra dos Órgãos. Os últimos raios de sol iluminam o Pico do Garrafão e o Cinturão de Vênus começa a ser formar na linha do horizonte)

Outra característica do Cinturão de Vênus é que ele acaba sendo o "pano de fundo" para as fotos de paisagem com lua cheia. Para saber mais releia o artigo sobre Como fazer uma foto de paisagem com Lua cheia.

(Pôr da Lua cheia ao lado da Maria Comprida, Petrópolis)

Enfim, como já disse em outros artigos, o conhecimento da luz e a observação são extremamente importantes na nossa evolução como fotógrafos de paisagem e montanha. Tente identificar o fenômeno, repare em que momento ele começa, quando fica mais intenso, como ele se dissipa... E comece a incluir no seu portfólio muitas fotos do belo e fugaz Cinturão de Vênus.

(Show de luzes e nuvens no amanhecer da Serra do Lopo, Mantiqueira)

Gostou do artigo? Para ir mais à fundo conheça a Oficina de Fotografia com Waldyr Neto