quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Clique com o coração, edite com o cérebro

Por Waldyr Neto - 



Nesse novo artigo eu pego uma carona na citação do fotógrafo sueco Anders Petersen:


"Shoot from the gut, edit with your brain"


"Clique com o coração" não é a tradução exata de "Shoot from the gut", pois "gut" está mais para estômago, ou vísceras. Talvez isso faça mais sentido dentro do estilo de fotos do Anders Petersen - retratos, street, cotidiano... Nas fotos de paisagem eu gosto de pensar que eu clico com o coração.

Sobre a segunda parte da citação - "edite com o cérebro" - vamos entender aqui o sentido da palavra em inglês onde editar = edit, que quer dizer selecionar as melhores fotos. O processo seguinte, o tratamento, seria o treatment ou post-processing. Como quase toda a literatura sobre fotografia é em inglês, é importante ter esses termos bem entendidos.

Mas de volta ao nosso assunto...


Clique com o coração

Foto de Gisele Rossignoli

O momento do clique deveria ser de inspiração - a espera pela luz, a busca da composição, a percepção do momento mágico que merece ser capturado. É preciso estar tranquilo e ao mesmo tempo atento. É preciso manusear o equipamento de forma praticamente mecânica, o que requer estudo e prática.

Essa é a hora de experimentar, ousar, deixar a intuição te levar. Buscar enquadramentos criativos, testar ideias, registar um tema interessante sob vários pontos de vista.





Jacuzzis do Monte Roraima sob vários ângulos


Edite com o cérebro

Lembrando aqui que editar é o ato de selecionar as melhores fotos - atividade para fazer em casa, tranquilo, e de preferência algum tempo depois das capturas. Isso pode soar estranho, pois é comum termos uma ansiedade de ver e mostrar nossas fotos recentes.

Foto de Gisele Rossignoli

Esse intervalo é importante e serve para que as emoções envolvidas na captura não interfiram na nossa avaliação.

Mas que emoções são essas? Alguns exemplos:


  • Eu aprendi uma técnica nova, esperei dias até poder sair para fotografar e aplicar essa técnica. Quando fui para campo consegui aplicar a técnica e fiz um tipo de foto que eu sonhava fazer...  
  • Eu planejei uma foto em detalhes, local, data, enquadramento. Quando fui para campo tudo deu certo e eu voltei para casa com a minha foto...
  • O tempo estava fechado. Nada indicava que ia abrir, mas na "hora H" tudo clareou e eu consegui a minha foto...
  • Eu sonhei a vida toda em conhecer um lugar. Um dia eu viajei e lá estava eu, fotografando o lugar dos meus sonhos...


Repare que nos casos acima a captura pode estar associada a fortes sentimentos de realização, de atingir um objetivo. E essa carga de sentimentos pode nos induzir a uma avaliação totalmente equivocada das nossas fotos.

Uma foto é boa quando ela se resolve sozinha; não quando ela representa a satisfação de atingir um objetivo, ou quando ela trás boas recordações, ou quando ela está associada a bons sentimentos.


Daí ser tão difícil avaliar nossas próprias fotos de forma isenta.

Daí ser tão importante deixar passar algum tempo entre a captura e a avaliação.

Daí ser tão importante submeter nossas fotos para a avaliação de terceiros.


Foto de Flávio Varricchio


Eu mesmo confesso que sou um fotógrafo bastante impulsivo, tanto para descer um barranco correndo para achar um enquadramento interessante, quanto para chegar em casa ansioso para ver e tratar as fotos. E normalmente eu me arrependo disso... 

Com frequência eu garimpo fotos antigas e constato que publiquei na época uma foto mediana e não percebi uma foto muito melhor. Na primeira análise fui guiado pelo sentimento envolvido na captura. Na segunda pela avaliação isolada da foto.

Hoje eu me policio para não cometer esses erros. Antes de publicar uma foto no meu portfólio eu posto em fóruns, mostro para amigos, etc. Junto a minha percepção com a percepção de terceiros e formo uma análise mais isenta. 

O processo de "renegar" algumas das nossas fotos pode ser tão traumático que essa seleção do que não mostrar costuma ser chamada de "kill your babies" em inglês, numa alusão à alguns animais, em geral aves, que decidem alimentar os filhotes mais fortes, deixando morrer os mais fracos. 

Então é isso... Kill your babies e mostre apenas o que deve ser mostrado. Descarte as fotos ruins e médias, selecione e trate as boas. Seu portfólio agradece.

Foto das Jacuzzis do Monte Roraima que foi selecionada, tratada e publicada


Se você gostou do artigo e que ir mais à fundo, conheça a Oficina de Fotografia com Waldyr Neto




12 comentários:

  1. Boa Waldyr! Fazer a curadoria das minhas próprias fotos é sempre um desafio. Também gosto de esperar um tempo antes de escolher. Fazendo assim parece que as fotos amadurecem um pouco. E nesse processo tenho deletado muitos arquivos, ficando só com o material de qualidade e liberando espaço nos HD's.

    Também percebo que, dependendo da finalidade, uma foto que antes não era tão legal, se sai melhor do que outra que era mais legal antes. Por exemplo, uma foto que expressa melhor o tema específico de um concurso. Quero dizer que essa curadoria precisa levar em conta alguns requisitos além do feeling, procurando a melhor adequação para o uso específico daquela imagem. O que você acha?

    abraços!

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    1. Obrigado Hugo! É bem por aí mesmo. Eu tento sinalizar as fotos como boas e como "ainda não tenho certeza". Volta e meia dou uma garimpada. Só deleto fotos ruins mesmo. E ás vezes uma foto que não seria de portfólio pode servir para um uso específico - concurso, um trabalho, etc.

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  2. Uma das coisas que sinto falta é a preocupação com o sentimento e o lado poético no processo de criação. Com a era digital o cuidado é deixado de lado. Se acredita que em 1000 fotos uma irá prestar e "prestar" hoje é ganhar elogios na rede social. Creio que por isso após anos é saudável rever antigas fotos, sem ansiedade daquele momento podemos ser mais felizes com o que clicamos.

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  3. Belo texto ! Estou juntando dinheiro! Logo logo farei um workshop com você ! Obrigado.

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  4. Oi, Waldyr!

    Me identifiquei com esse seu texto :) Achei bem legal sua explicação da frase.

    Eu gasto bastante tempo escolhendo minhas fotos. Acho bem difícil fazer isso. Com certeza acontece muito isso do envolvimento emocional com elas. E várias vezes quadno para esse processo no meio do caminho e retomo tempos depois, as avaliações mudam.

    Ultimamente eu andei alterando um pouco como eu faço isso. Agora eu também estou deletando as completamente imprestáveis, fotos que realmente não deram certo, erros claros. Depois eu geralmente uso estrelas. 5 estrelas: fotos que eu gostei muito e acho que são relamente top (quase nenhuma hahaha). 4: creio que vale a pena investigar e avaliar melhor durante o tratamento, algo como, vai ter a chance de ser tratada. 3 estrelas: talvez pode servir para ilustrar alguma coisa, mas não vou dar atenção a ela agora (não pretendo gastar tempo tratando, mas quem sabe no futuro).
    Dentro das 4 estrelas, eu costumo colorir as que quero tratar primeiro.
    Acho que é parecido com o que você falou em outro comentário.

    Obrigado, Waldyr!
    Abraços

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  5. Mais um ótimo artigo, obrigado por compartilhar conosco. Sigo aprendendo sempre...

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  6. Ótimo texto! Eu ainda preciso controlar essa ansiedade de querer chegar em casa e logo editar as fotos.

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